Em tempos nos quais o protagonismo judicial parece
ter-se tornado moeda corrente, é luminosa a entrevista do ministro
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Herman Benjamin, ao repórter
Luiz Maklouf Carvalho, do Estado. Relator do processo que pede a
cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, Benjamin manifesta
incomum – para os tempos atuais – prudência em suas respostas,
preservando sua independência de juiz e, o que é ainda mais raro
nos dias de hoje, garantindo ao restante de seus colegas de plenário
plena legitimidade para discordar de seu voto, que ainda não foi
apresentado. Na quinta-feira, ele encaminhou aos outros ministros,
ainda sem revelar seu voto, um relatório parcial do processo, com
1.032 páginas.
“Eu sou um juiz de colegiado. Não me importo
nem um pouco de perder, desde que as regras do jogo sejam
republicanas. Em outras palavras, as teses que eu defendo não são
absolutas. A avaliação que eu venha a fazer das provas não é
infalível. E, portanto, um voto por mim redigido está perfeitamente
em condições de ser derrotado pelos defeitos próprios da natureza
humana, que não é perfeita”, afirmou. Suas palavras expressam a
isenção que todo juiz deve cultivar, ainda mais se faz parte de um
colegiado.
É legítima e necessária a disposição de um
juiz para convencer os demais integrantes do plenário a respeito do
acerto de seu voto. Outra coisa é achar que o convencimento pessoal
em determinada direção permite considerar que os outros, por
pensarem de forma diferente, estão equivocados. Mantém esse
desejável equilíbrio quem cultiva a arte não trivial, e cada vez
mais rara, de defender firmemente suas ideias sem que isso leve a
qualquer tipo de conflito ou menosprezo por quem defende outras
posições.
Segundo o ministro, seu relatório “é
descritivo, absolutamente objetivo. Com muitas transcrições daquilo
que é mais relevante. É o contexto”. Certamente, um relatório
com esse tom facilita o trabalho colegial de um tribunal. Numa época
como a atual, em que parece haver uma aversão aos fatos, como se
tudo já estivesse impreterivelmente contaminado pelas opiniões
pessoais, é reconfortante que um juiz recorde a importância de um
olhar isento sobre os fatos. De outra forma, não poderia haver
justiça, que sempre exige isenção e é absolutamente incompatível
com prejulgamentos. “O relatório é para informar. O voto é para
analisar e convencer”, explica o ministro do TSE.
Consciente das limitações impostas por sua
posição de magistrado, Benjamin não expressa opiniões políticas,
evitando até mesmo comentar possíveis reflexos no Judiciário de
algumas decisões políticas. “Eu não tenho essa preocupação”,
diz o relator, ao responder sobre os efeitos das próximas indicações
de ministros do TSE sobre o julgamento do caso em questão.
A respeito de como será seu voto, Herman Benjamin
é perspicaz o suficiente para evitar especulações afoitas. Quando
Luiz Maklouf começa a indagar se não haveria uma inclinação do
relator para pedir a cassação da chapa Dilma-Temer, Herman Benjamin
o atalha. “Não se precipite”, diz o relator, fazendo questão de
preservar aquele bom espaço que todo juiz deve ter para uma análise
isenta e serena de cada caso.
O Direito não é composto de fórmulas rígidas a
regular previamente a complexidade da vida, como se bastasse
averiguar determinados dados factuais para que a lei ditasse uma
solução matemática. Ao contrário, a aplicação do Direito está
intrinsecamente vinculada aos fatos da vida. Daí decorre a
conveniência de haver um colegiado para julgar os casos e questões
mais relevantes. Não há percepções ou soluções únicas, nem a
vida institucional de um país é regida por fórmulas matemáticas,
que possam conferir ao juiz um grau de certeza que dispensa o
contraditório.
Por isso, as palavras de Herman Benjamin – de
que suas teses não são absolutas e de que a avaliação que venha a
fazer das provas não é infalível – são tão relevantes. Elas
denotam uma madura compreensão da função do magistrado, sempre
falível. Sem dúvida, essa prudência não é uma exceção no Poder
Judiciário, como evidencia o comportamento da absoluta maioria dos
juízes. O mesmo se aplica a todos os agentes do sistema judicial. De
todo modo, há sempre um ou outro mais fanfarrão, que, diante do bom
exemplo dos outros, pode resolver se emendar.
Fonte: repórter Luiz Maklouf Carvalho, do Estado
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